Borat: O lado sombrio do sonho americano.
- Allan Veríssimo
- 26 de nov. de 2020
- 3 min de leitura
Entre todos os gêneros cinematográficos, a comédia é sem dúvida o mais subjetivo deles. Uma piada hilária para uma pessoa, pode ser insuportável para outra. E “Borat”, a comédia estrelada pelo comediante britânico Sacha Baron Cohen em 2006, sem dúvida alguma se encaixa na definição “8 ou 80”. Não há meio termo. Ou o espectador irá chorar de rir com o filme, ou irá ranger os dentes e sequer irá terminá-lo.
Sinceramente? Eu me encaixo na primeira categoria. “Borat” já é um jovem clássico do gênero.
A primeira vista, “Borat”, que adota o gênero do “falso documentário”, tem todos os ingredientes para ser apenas mais uma comédia besteirol e ofensiva: o personagem-título é um jornalista antissemita, machista e imbecil do Cazaquistão, que recebe a tarefa de viajar para os EUA, junto com o seu produtor Azamat, para fazer um documentário sobre os hábitos do país. Mas ele logo se apaixona pela atriz Pamela Anderson (ao ver ela num episódio da série “Baywatch”) e decide viajar pelos EUA para encontrá-la, enganando o produtor no processo e se metendo nas mais diversas confusões.
O que diferencia “Borat” das bobagens típicas de um Adam Sandler da vida são as suas intenções: seria fácil o filme se tornar uma mera coleção de pegadinhas maldosas ao pior estilo Sílvio Santos e João Kléber, enganando pessoas inocentes. Mas não é o que acontece. Primeiro, porque o ator Sacha Baron Cohen é judeu, o que já dá uma dimensão diferente para as diversas piadas que ele faz envolvendo o tema. Em segundo lugar, Cohen acerta em jamais tornar Borat antipático aos olhos do espectador (erro que ele cometeu em “Bruno”). Ao invés disso, Cohen concebe o personagem como uma enorme criança em um corpo adulto, desesperado por um pouco de afeição, e que fala besteiras mais por ingenuidade do que por maldade pura.
E em terceiro lugar, porque durante a sua jornada, Borat entrevista diversas personalidades reais, e aí é que acontece a reviravolta genial que faz toda a diferença para essa produção. As pessoas entrevistadas assinaram contratos acreditando que Borat era um jornalista estrangeiro realizando um documentário que seria exibido apenas no exterior, e não um ator protagonizando uma comédia fictícia que seria exibida nos EUA. Resultado: os entrevistados falam e fazem as mais completas barbaridades diante das câmeras. Desde o dono de um rodeio que aconselha Borat a raspar o bigode para não ser confundido com um muçulmano até os playboys bêbados que lamentam o fim da escravidão, passando por políticos, professores de etiqueta, vendedores de armas, vendedores de carros, evangélicos etc. Todas essas pessoas acabam mostrando o seu lado mais podre, com comentários preconceituosos, homofóbicos, machistas e xenofóbicos (e tentaram processar Cohen mais tarde ao descobrirem que tinham sido enganadas, sem sucesso).
Assim sendo, “Borat” não é só uma comédia, mas também acaba se tornando um documentário, mostrando o lado sombrio do sonho americano, e uma triste constatação de que a onda de conservadorismo e da ascensão da extrema direita nos EUA era algo inevitável.
Nesse ano, Cohen lançou “Borat 2”, que evidencia como o mundo mudou. Em 2006, os racistas e machistas de plantão ainda tinham um pouco de vergonha em mostrarem suas verdadeiras faces diante do mundo. Em 2020, infelizmente, o ódio e a intolerância se tornaram algo comum e até tratado com orgulho, incentivado pelas ações dos próprios presidentes de diversas nações. E isso é algo mais imbecil do que qualquer asneira que o jornalista do Cazaquistão possa dizer.
Allan Veríssimo

Cinéfilo, formado em Cinema e Audiovisual pela São Judas, cursando Jornalismo na Universidade Santa Cecília.
É Diretor, produtor e roteirista, colaborador dos sites Ligado em Série, Cine Alerta e Gelo e Fogo, além de estar aqui com a gente toda quarta-feira abrilhantando nosso blog com seu talento.
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