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Scream, Queen! Sobre "O filme de horror mais gay de todos os tempos"

  • Foto do escritor: Allan Veríssimo
    Allan Veríssimo
  • 9 de set. de 2020
  • 4 min de leitura

Atualizado: 22 de nov. de 2020



Em 1985, Mark Patton era um jovem ator em ascensão que tinha trabalhado no teatro e no cinema com a estrela Cher e o consagrado cineasta Robert Altman. Quando Patton conseguiu o papel de protagonista na aguardada continuação de "A Hora do Pesadelo", o filme que introduziu o ícone do horror Freddy Krueger e que tinha sido um enorme sucesso de crítica e bilheteria no ano anterior, o ator acreditou que tinha tirado a sorte grande e que iria se tornar um astro em Hollywood.

Só havia dois problemas:


1) Patton era homossexual não assumido. A opção do ator de não revelar sua orientação sexual ao público era, infelizmente, compreensível e esperado no auge do conservadorismo e da homofobia dos anos 80, provocada pela era Reagan e pelo surgimento da AIDS.


2) O roteiro de "A Hora do Pesadelo 2 - A Vingança de Freddy" tinha um forte subtexto homossexual, com uma trama na qual Jesse, o protagonista masculino interpretado por Patton, (num gênero onde protagonistas costumavam ser mulheres) é possuído por Freddy Krueger. O roteiro sugere fortemente (mas jamais confirma) que Jesse é um homossexual reprimido e com medo de se assumir por causa do pai abusivo. O roteiro também tinha cenas na qual o protagonista se encontra com o professor de educação física em um bar gay, e outra na qual Freddy tenta possuir o protagonista quando ele está prestes a fazer sexo pela primeira vez com a namorada, fazendo-o fugir apavorado e pedir ajuda para o seu melhor amigo homem, chegando a dormir na casa dele. Esse subtexto ficou ainda mais forte na hora das gravações, quando os realizadores optaram por decisões criativas como uma sexualização do protagonista, com ele constantemente aparecendo sem roupas.



Embora “A Hora do Pesadelo 2” tenha sido sucesso de bilheteria, infelizmente foi massacrado pela crítica e ridicularizado pelos fãs, que não demoraram a perceber o subtexto homossexual. Acabou sendo impossível para Patton esconder sua homossexualidade do público, ao passo que o próprio roteirista do filme, David Chaskin, botou a culpa do fracasso do filme na sua performance. Devido a outros problemas pessoais e profissionais, como a trágica morte do namorado para o HIV, participações apenas em seriados de TV e a homofobia cada vez pior da época, o ator desistiu da carreira e se exilou por mais de uma década no México. Lá, ele se tornou um designer de interiores, vivendo anonimamente (nem mesmo seu marido sabia do passado de Patton como ator) e tentando esquecer o passado.

Até que em 2010, após ser convidado para gravar um documentário sobre a franquia (os realizadores precisaram contratar um detetive para descobrir o paradeiro do ator), Patton descobriu chocado que “A Hora do Pesadelo 2” tinha se tornado cult no século 21, graças à era da internet, chegando a ganhar a fama de “filme de horror mais gay de todos os tempos”. A partir daí, Patton passou a participar de convenções de horror e ativismo LGBTQIA+.

Essa é a história contada pelo documentário “Scream Queen! My Nightmare on Elm Street”, dirigido em 2019 por Roman Chimienti e Tyler Jensen. À primeira vista, impressiona como os realizadores relatam a história uma maneira mais sensível do que se poderia esperar. Entre os momentos mais marcantes e até emocionantes da obra, encontram-se aquele em Patton reencontra emocionado o elenco inteiro do filme numa convenção de horror, a quem não via há mais de 30 anos. Vemos o grupo conversando sobre como o que era para ser apenas a continuação barata de um slasher movie acabou mudando a vida da maioria deles para sempre. Também há alguns momentos para risadas, quando o diretor meio sem-noção do filme, Jack Sholder (“O Escondido”). admite que não percebeu em momento algum da produção que estava dirigindo um filme de temática LGBTQIA+, e fica até chocado quando o elenco revela que o bar onde gravaram cenas do filme era um bar gay de verdade.



O grande clímax da obra é quando Mark Patton finalmente reencontra David Chaskin, o roteirista do filme que o criticou em entrevistas no passado e acabam finalmente acertando as contas na frente das câmeras. A discussão começa tensa, mas logo o clima fica mais descontraída, e os problemas entre os dois se resolve de maneira pacífica, com Chaskin pedindo desculpas pelas palavras do passado. Também há outros momentos emocionantes na obra, com destaque para dezenas de entrevistados gays admitindo que se sentiram representados e orgulhosos ao assistirem na infância um raro filme de horror mainstream de Hollywood com temática homossexual.



Embora o documentário peca um pouco em não explorar mais histórias dos bastidores do filme ou mesmo em não explicar melhor outros detalhes do subtexto do longa de 1985, isso é perdoável, já que o foco principal acaba sendo em Mark Patton, após três décadas de ressentimentos, fazendo as pazes com o filme que tanto lhe custou. E isso é um belo presente não só para ele, mas também para os fãs da franquia e do gênero.




Allan Veríssimo

Allan Veríssimo, Dobra Filmes, Blog Desdobra
Allan Veríssimo

Cinéfilo, formado em Cinema e Audiovisual pela São Judas, cursando Jornalismo na Universidade Santa Cecília.

É Diretor, produtor e roteirista, colaborador dos sites Ligado em Série, Cine Alerta e Gelo e Fogo, além de estar aqui com a gente toda quarta-feira abrilhantando nosso blog com seu talento.

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